Desnutrição Infantil

A desnutrição é definida como um estado patológico de diferentes graus de intensidade e variadas manifestações clínicas e é produzida pela deficiente assimilação dos nutrientes.

A desnutrição infantil, apesar da redução mundial da sua prevaléncia, é atualmente o problema de saúde pública mais importante dos países em desenvolvimento. Mais de 50% das mortes de crianças menores de 5 anos, que ocorrem nestes países, é influenciada pela desnutrição em alguma de suas formas.

A mortalidade das crianças desnutridas graves, tratadas em hospital, tem se mantido inalterada nas últimas cinco décadas. Na América Latina, sua incidéncia é bastante elevada: existe desnutrição de alguma intensidade em cerca de 65% das crianças menores de cinco anos. De acordo com o índice peso/altura, considera-se nutrida a criança que, independentemente da idade, apresenta peso condizente para sua altura e sexo.

O conceito de desnutrição de acordo com o índice de baixo peso/altura aponta, portanto, apenas desnutrição aguda (crianças visivelmente magras). A desnutrição aguda está associada a fenómenos de curto prazo e reversíveis, indicando que a incidéncia de desnutrição por baixo peso/altura poderia, portanto, ser eliminada por programas nutricionais de emergéncia. Sendo assim, desnutrição pode ser entendida como o déficit de nutrientes no organismo.

Segundo a OMS/FAO, o termo desnutrição energético-protéica define-se como uma gama de condições patológicas com deficiéncia simultánea de proteínas e calorias em variadas proporções, que acomete potencialmente crianças de baixa idade e sõo associadas com infecções.

Classificação por deficiéncias nutricionais que originam a desnutrição:

1. Específica: quando falta um nutriente bem determinado, caracterizando síndromes específicas. (Exemplo: anemia por deficiéncia de ferro; escorbuto por deficiéncia de vitamina C; etc...)

2. Global: quando faltam vários nutrientes. Exemplo clássico constitui a desnutrição calórico-proteica.

Quanto á etiopatogenia, pode ser:

1. Primária: quando há oferta inadequada de alimentos

2. Secundária: quando o aproveitamento inadequado dos alimentos ocorre por fatores independentes da oferta, a qual é feita de forma correta.

Quanto á intensidade da DPC, podemos dividi-la em graus (Classificação de Gomez):

1 grau ou leve: déficit de peso de mais de 10% até 25%

2 grau ou moderada: déficit de peso de mais de 25% até 40%

3 grau ou grave: déficit de peso superior a 40%.

A desnutrição grave pode ainda ser subdividida em tipos, de acordo com a diversidade de quadros clínicos:

- Kwashiorkor - desnutrição proteica, que leva a edema e apresenta quadro de pobreza extrema

- Marasmo - desnutrição seca, com depleção energética, mesmo com adequada oferta de nutrientes.

- Formas intermediárias - apresentam características mistas das duas formas anteriores.

Quando levamos em conta os parámetros peso e altura em associação, de acordo com a idade, temos um perfil mais fiel do tempo de ocorréncia do processo.

Etiologia:

Os fatores etiológicos mais importantes são o baixo nível sócio-ecnómico (pobreza-privação nutricional) e seus acompanhantes intránsecos: más condições ambientais, que frequentemente levam a infecções e hospitalização, e baixo nível educacional e cultural, que muitas vezes leva á negligéncia infantil.

A desnutrição é manifestação de pobreza e decorre de três fatores : alimentar (déficit de nutrientes), infeccioso (diarréias e infecções respiratórias repetidas) e psicológico (falta de estimulação e de apoio afetivo).

A baixa ingestão calórica condiciona uma correspondente diminuição da atividade física, sendo esta a primeira adaptação decorrente do processo de depleção. A segunda adaptação é a parada de crescimento (falta de ganho de peso e altura).

Fisiopatologia:

A desnutrição energético-proteica (DEP) provoca uma série de respostas clínicas adaptativas. Somente mais tarde, pela persisténcia das condições adversas nos seus mais variados graus, a adaptação se transforma em má adaptação, pondo em evidéncia as manifestações clínicas decorrentes. Vários mecanismos fisiopatológicos são instalados, determinando adaptações metabólicas de variadas intensidades, desencadeados e mantidos por controles hormonais.

O organismo passa a lançar mão de vários mecanismos para sobreviver: gliconeogénese, glicogenélise e lipílise, passando a ser consumidas gradativamente a musculatura esquelética (reservatório protéico) e a gordura corporal, ás custas da manutenção da homeostase. Em resposta ás baixas concentrações de glicose e aminoácidos, os níveis de insulina diminuem. Em contrapartida, ou por um estresse infeccioso ou pela própria restrição calórico-proteica, a adrenal cortical passa a secretar quantidades aumentadas de cortisol, com consequente liberação de aminoácidos pelo consumo muscular, a fim de serem usados por órgãos nobres como fígado, páncreas e intestino. Essa integridade visceral ás custas desse consumo é característica do marasmo. Quando há insuficiéncia da adrenal e da utilização do músculo, ocorre quebra do mecanismo de adaptação, condicionando o kwashiorkor. Há elevação da secreção do hormónio de crescimento e de epinefrina, condicionando a lipílise, que libera ácidos graxos e corpos ceténicos como combustíveis para o metabolismo cerebral.

As anormalidades bioquímicas e manifestações clínicas começam a se intensificar e predominar no quadro clínico-laboratorial da desnutrição após a faléncia do processo adaptativo. Somente a partir deste estádio é que surgem as formas graves da desnutrição.

O marasmo se origina das categorias moderadas da desnutrição (subnutrição) que continuaram sofrendo uma deficiéncia global de energia. Acomete crianças geralmente abaixo dos 12 meses.

O kwashiorkor origina-se de formas leves e moderadas que sofreram deficiéncia de proteína com adequada ingestão de energia em qualquer idade. A forma seca pode se transformar na edematosa e vice-versa em certas condições: aumento de perdas protéicas fecais, ocorréncia de doenças infecciosas.

Fisiologia dos órgãos envolvidos:

Todas as vísceras se apresentam com déficit de peso quando comparadas com o peso dos mesmos órgãos em crianças não desnutridas da mesma idade.

No páncreas, há inicialmente atrofia das células acinosas e a seguir há degeneração hialina, os canalúculos intra-lobulares se dilatam e se inicia esclerose periacinosa intra e perilobular. As ilhotas de Langerhans estão conservadas em número. Funcionalmente, há diminuição da amilase, lipase, tripsina e qimiotripsina.

No fígado, pode-se observar esteatose, que consiste na infiltração gordurosa do fígado, que é tanto mais intensa quanto maior o grau de desnutrição, sendo mais frequente e intensa no kwashiorkor do que no marasmo. Quando a desnutrição se corrige, a esteatose desaparece e as células passam a apresentar aspecto de depleção protéica temporariamente. Podem ser vistos também infiltrado celular linfocitório e fibrose. Há diminuição da síntese de sais biliares e de sua conjugação por causa dessas alterações.

As glándulas salivares apresentam lesões de atrofia, mais intensas e frequentes nas partidas. Em estágios mais avançados, ocorre infiltrado celular, aumento do depósito de gordura e mesmo fibrose em torno dos ácinos atrofiados e frequentemente dilatados. Há prejuízo da mastigação e deglutição.

No intestino delgado, todas as camadas são atingidas por progressivo processo de atrofia e consequente redução das respectivas espessuras, com intensidade crescente no sentido duodeno-ileal. O relevo da mucosa intestinal desaparece por completo em algumas áreas. Há supercrescimento bacteriano levando á desconjugação de ácidos biliares, redução dos sais biliares conjugados, com prejuízo da digestão das gorduras e aumento dos ácidos biliares livres, que são lesivos á mucosa intestinal e redução das dissacaridases, especialmente da lactase.

Na pele, a epiderme tem todas as suas camadas comprometidas. A camada córnea sofre hiperqueratose em zonas, permanecendo trechos da pele com aspecto normal; a hiperqueratose leva á posterior descamação. Os capilares mostram-se ingurgitados e cheios de leucícitos, podendo sofrer roturas e pequenas hemorragias. Na hipoderme, o tecido gorduroso em geral estão ausente.

No sistema imune, o componente mais comprometido á o celular. Os níveis de imunoglobulina estão normais ou aumentados, ás custas de infecções repetidas. Os fatores humorais responsáveis pela fagocitose estão diminuídos. A produção de IgA em lágrimas, secreção nasofarángea e intestinal está diminuída.

Avaliação clínica:

O Marasmo é DPC de 3 grau caracterizada por desaparecimento do tecido subcutáneo, auséncia de lesões de pele, de cabelo e de esteatose hepética. O aspecto físico é de quem consumiu todas ou quase todas as suas reservas musculares e de gordura (emagrecimento "seco"). é uma criança com baixa atividade, pequena para a idade, com membros delgados, costelas proeminentes, pele solta e enrugada na região das nádegas. Está sempre irritada, com choro forte e contínuo, além do apetite variível, pois passa a apresentar anorexia e prostração.

Ocorre mais frequentemente em lactentes (1 ano) que receberam uma dieta inadequada e globalmente deficiente. As proteínas sóricas (albumina), as enzimas hepéticas e os minerais são normais.

Kwashiorkor é DPC caracterizada por edema clínico, lesões de pele e cabelo, esteatose hepótica, hipoalbuminemia, tecido celular subcutáneo ainda presente, frequentemente diarréia.

Características da desnutrição:

- Apatia mental: a criança nunca sorri, choraminga, raramente responde a está mulos dolorosos ou prazerosos.

- Posição preferencial: encolhido, coberto (frio) e na obscuridade (fotofobia)

- Grande emagrecimento do tórax e segmentos proximais dos membros, com edema frio, mole, não doloroso é pressão nos seguimentos distais.

- alterações de pele (lesões hipocrámicas alternadas com lesóes hipercrémicas) dos membros inferiores, que podem ser secas e frias; tipo xerose - secas, ásperas e sem brilho -; lesées pelagrosas, com eritema, despigmentação das bordas e descamação; tipo queratose folicular; fissuras lineares e flexurais; acrocianose; escaras; piodermite secundária; púrpuras de mau prognóstico.

- alterações de cabelos (finos, secos, quebradiços e facilmente destacáveis - alopácia). Pode aparecer o sinal da bandeira nas desnutriçães muito prolongadas, quando o cabelo apresenta faixas de coloração escura e clara.

- Alterações das unhas: finas, quebradiças, sem brilho e pequeno crescimento.

- Mucosas: língua careca ou com hipertrofia de papilas, retração das gengivas, lábios rachados, sangrantes, lesões comissurais.

- Olhos: alterações de conjuntiva, cérnea com manchas, queratomalócia, xeroftalmia, podendo levar á cegueira.

- Ossos: osteoporose com linhas de parada de crescimento; idade óssea retardada.

- Sistema Nervoso: retardo neuropsicomotor, atrofia cortical e/ou subcortical, timidez, retraimento, irritabilidade

- Hepatomegalia pela esteatose hepética presente.

- área perineal sempre com dermatite e escoriações, devido á diarréia.

- Déficit importante de estatura e massa muscular seriamente consumida, mas tecido subcutáneo e gorduroso conservados.

- Baixas concentrações sóricas de proteína e albumina.

Considerações:

Nas condições adequadas de recuperação nutricional, há reversibilidade total do déficit da estatura. As más condições ambientais em que vivem os desnutridos primários, após a alta hospitalar, é que seriam o fator mais importante do retardo de crescimento, diminuindo a estatura final desses indivíduos. Entretanto, quando a estatura foi comprometida, não há normalização total da mesma, o que vai prejudicar especialmente as mulheres nas gestações e partos futuros. Quando há desnutrição intra-útero, há grande possibilidade de haver lesoes grave e permanente do sistema nervoso central. As que ocorrem no período pós-natal podem ocasionar lesóes permanentes de acordo com o grau da desnutrição, que são responsáveis pelo retardo de desenvolvimento neuropsicomotor. No entanto, este retardo pode ser reversível, quando a recuperação nutricional se faz em condições sócio-culturais favoráveis, com estimulação psicomotora da criança.

Ana Paula Souza
Referéncias:

DUTRA, O. Ciências Nutricionais. São Paulo: Sarvier, 1998.

EUCLYDES, M. Nutrição do lactente. 2 ed. Vitosa MG: 2000.

MONTOGOMERY, C. Bioquímica, Uma abordagem Dirigida por Casos. 5 ed. São Paulo: Artes Médicas. 1994.

NÓBREGA, F.J. Distúrbios da Nutrição, Rio de Janeiro: Revinter, 1998

WAITZBERG, Dan Linetzky, Nutrição oral, enteral e parenteral na prática clínica. 3 ed. São Paulo: atheneu, 2000.
Nutrição e Saúde


Nutrição e Saúde

Av. Cerro Azul, 217 - Zona 02 - Maringá - PR (44) 3031-0802(44) 9701-6261
Copyright 2005 - 2009 - Clínica de Nutrição Santé e Consultoria