Creatina

A creatina é um composto nitrogenado derivado do aminoácido glicina (N-[aminoiminomethyl]-N-methyl-glycine) e pode ser encontrado em alimentos de origem animal principalmente nas carnes vermelhas ou então ser sintetizado no organismo pelos rins, fígado e pâncreas a partir dos aminoácidos glicina, arginina e metionina (2-4). A maior reserva de creatina do organismo está nos músculos esqueléticos (95%), tanto na forma livre como na forma de creatina-fosfato (CP) representando de forma absoluta entre 120 e 140 g (3). As reservas de CP se esgotam rapidamente durante o exercício, sendo responsáveis pelo declínio do desempenho, mesmo não ocorrendo redução significativa do conteúdo de glicogênio muscular (5). Aproximadamente 2/3 do "pool" de creatina muscular está sob a forma de creatina fosfato e em uma concentração 3 a 4 vezes maior que a reserva de ATP (adenosina trifosfato), a forma de energia utilizada para contração muscular (6).

O "turnover" diário de creatina é aproximadamente 2g em um homem de 70 kg, enquanto a ingestão média corresponde a 1 g/dia (2-7).

A concentração plasmática de creatina está entre 40 e 100 ?mol.L-1 (3) enquanto a muscular é em média 125 mmol/kg de músculo seco limitando-se em 150-160 mmol/kg de músculo seco, ou seja dificilmente as reservas de creatina superam esses valores (4). A suplementação seria eficaz quando os estoques de creatina muscular fossem inferiores á 120 mmol/kg de músculo seco (8,9) e o aumento desses estoques ocorre em fibras do tipo II. (2-4).

Nos exercícios de alta intensidade e curta duração a reserva de ATP é hidrolizada rapidamente no citoplasma da célula, mas não atinge um nível zero, é observado em humanos uma queda de 25 a 30% da concentração inicial no momento da fadiga (10). O composto creatina fosfato está no músculo servindo como um reservatório de fosfato de alta energia, assim conforme a reserva de ATP vai sendo hidrolizada a creatina quinase vai transferindo fosfatos das CPs para as moléculas de ADP, ressintetizando o ATP até 30 segundos de exercício (4,6). O nível basal de ATP, que está por volta de 24 mmol/kg, não pode diminuir mais que 30% para não comprometer o mecanismo de contração muscular, daí a importância da ressíntese de ATP imediata pela quebra da CP (6). Contudo, além de manter níveis elevados de ATP intracelular a hidrólise da CP libera 10,3 kcal/mol de energia enquanto a energia livre da hidrólise do ATP é igual a 7,3 kcal/mol (2).fig1,2,3,4

A creatina livre originada da ressíntese do ATP pode se transformar em creatinina e cair na circulação sanguínea, sendo posteriormente excretada pelos rins. Entretanto se houver participação do metabolismo oxidativo (utilização de gorduras e carboidratos como substratos energéticos) durante o exercício, no repouso os ATPs que "sobraram" provenientes desta via são hidrolizados no interior da mitocôndria liberando fosfatos que vão reconstituir a molécula de creatina fosfato através da ação da enzima creatina quinase mitocondrial (3,6).

Uma maior disponibilidade de creatina fosfato no músculo pode influenciar a geração de energia durante exercícios de alta intensidade e curta duração acelerando a ressíntese de ATP (10). Essa maior disponibilidade está relacionada com uma maior concentração de creatina fosfato muscular que pode ser alcançada através da suplementação de curta duração (20-30 g/dia _ 1 semana) ou prolongada (5 g/dia _ semanas) (1-3,6,7,11). Esse aumento dos estoques de creatina muscular pode variar entre 10 e 20% para creatina livre e entre 20 e 40% sob a forma de CP (11).

A suplementação de 25 g/dia dividida em 5 doses de 5 g por 7 dias não mostrou eficácia em promover maior desempenho em 3 tiros de corrida de 60m no estudo de Redondo et al. (7). Isto pode ser explicado pelo fato desses autores não terem medido o nível basal de creatina muscular antes do teste. O efeito ergogênico é dado pelo aumento da concentração de creatina muscular que ocorre por sua vez, quando os estoques estão reduzidos, pois a capacidade de captação de creatina pela fibra muscular é limitada. Visto isso, os autores levantam a hipótese de que os atletas que não responderam à suplementação de creatina provavelmente estavam com seus estoques repletos antes da suplementação (7).

Burke et al. (8) também não observaram resultados ergogênicos em nadadores de elite suplementados com 4 doses de 5 g/dia por 5 dias que se submeteram a uma única sessão de velocidade de 25, 50 e 100 m. Os autores descrevem que fatores como o desconhecimento da concentração de creatina muscular antes do teste e as variações de condiçõo de treinamento podem interferir no aproveitamento da creatina ingerida, mas argumentam que estes podem não ser fatores limitantes para a resposta ergogênica em um "sprint" único entre 25-100 m (12-60s). A suplementação de creatina pode ser efetiva para testes de repetidas séries de alta intensidade e curta duração com pequenos intervalos entre elas (menos de 1 minuto), mas que por outro lado não refletiriam situações de competição como esta (8).

O mesmo resultado foi observado por Peyrebrune et al. (12) confirmando a argumentação de Burke et al. (8). Em um estudo feito com nadadores, Peyrebrune et al. (12) testaram o desempenho de atletas de elite em um único "sprint" de 50 jardas e em uma série de 8 "sprints" de 50 jardas com intervalo de 1 minuto e 30 segundos entre eles. A suplementação de creatina foi de 9 g/dia por 5 dias. Mesmo sem o conhecimento das concentrações de creatina pré-exercício, os autores descrevem que a retenção da creatina suplementada durante os cinco dias foi elevada, cerca de 67 % ou aproximadamente 26 g evidenciada pelos dados de análise urinária. As respostas metabólicas para ambas situações foram similares, porém o desempenho durante os "sprints" repetidos foi mais veloz após a suplementação de creatina. Os resultados encontrados por estes autores em relação ao desempenho de um único "sprint" coincidem com a argumentação de Burke et al. (8), de que a suplementação de creatina em séries repetidas levaria a um ganho de performance, como foi observado por Peyrebrune et al. (12). O efeito do aprimoramento do desempenho nas séries repetidas pode ter sido dado pelo aumento da creatina muscular que propiciaria maior ressíntese de CP refletida nas maiores concentrações desta nas últimas séries. Sem a suplementação o conteúdo de CP assim como a ressíntese desta diminuem, pelo intenso consumo para a formação de ATP ao longo das séries, o que reflete em uma queda na ressíntese do próprio ATP, ocasionando a fadiga. Por outro lado, nos exercícios de uma única série esses estoques poderiam não se depletar o suficiente para se beneficiarem do aumento da concentração de CP muscular dada pela suplementação. Outro fato que poderia explicar um aumento do desempenho em exercícios de séries repetidas seria uma maior captação de íons H+ para ressíntese da CP. Durante o processo de ressíntese tanto de ATP quanto de CP há necessidade de incorporação de H+ e um aumento no "turnover" de creatina fosfato aumentaria o consumo desses íons impedindo a queda de pH do meio, melhorando a capacidade de tamponamento muscular e retardando a fadiga (6,12,13). Contudo, as alterações de pH sanguíneo forma similares para os grupos suplementados e controles. Níveis de amônia também podem estar aumentados em função da desaminação do AMP em exercícios de alta intensidade, e servirem como um dos parâmetros para medir a taxa de ressíntese de ATP, porém neste estudo não houve diferença entre os grupos (12).

O efeito da suplementação de 20 g/dia de creatina fosfato por 7 dias para um teste de dois tiros de 700m (90-120s) de corrida não refletiu em melhor desempenho para nenhum dos atletas participantes. Neste estudo os autores argumentam que o aumento dos níveis de creatina muscular não garantiram um melhor desempenho devido, ao menos em parte, pelo curto intervalo relativo de descanso entre as séries o qual consistia de 60 minutos, menor que de outros eventos atléticos, mas bem maior que os citados até agora e sugerido por Burke et al. (8) para que a suplementação de creatina surta efeitos positivos (13). Em corredores de 150 m ("sprinters") a suplementação de 25 g/dia/3dias também não resultou em aumento de desempenho (13). Snow et al. (15) também não obtiveram o mesmo resultado em 20s de "sprint" em bicicleta ergomêtrica com indivíduos não treinados suplementados com 30 g de creatina/dia/5dias. Bem como, não houve diferença entre os grupos no que diz respeito á degradação muscular e acúmulo de metabólitos durante o exercício e recuperação apesar de haver aumento significativo no total de creatina muscular.

Por outro lado em diferentes durações de "sprints" únicos (90,150 e 300s) em bicicleta ergomêtrica, McNaughton et al. (16) encontrou resultados positivos da suplementação de 20 g/dia/5dias no aumento do desempenho de indivíduos jovens não treinados.

Vandebuerie et al. (17) estudaram os efeitos da suplementação de creatina antes e durante um exercício com protocolo de endurance acrescido de 5 "sprints" finais de 10 s cada. Os resultados obtidos demonstraram que a dosagem de creatina de 25 g/dia por 5 dias aumentou a potência para os "sprints" finais do exercício em cerca de 8 a 9%, após o protocolo de endurance de 2 horas e 30minutos pedalando abaixo do limiar anaeróbio. Isto indica que mesmo após um esforço de endurance a suplementação de creatina é capaz de aprimorar uma fase final de alta intensidade prioritariamente anaeróbia. Surpreendentemente, a administração de 5 g/h durante os 5 "sprints" não potencializou o efeito ergogênico da creatina, pelo contrârio provocou um efeito dito ergolítico ainda não elucidado (17).

Dosagens menores de creatina podem produzir ás vezes os mesmos efeitos de superdoses ou até mais acentuados. Em um estudo a suplementação de 6 g/dia por 5 dias ou 30 g/semana promoveu aumento dos níveis plasmáticos de creatina e creatinina durante o repouso, elevou os picos de potência em 18 % durante o protocolo de exercício de endurance intervalado com fases de maior intensidade e velocidade na bicicleta e diminuiu a queda da glicemia durante o exercício. Contudo não aprimorou o desempenho de endurance isolada (3). Este estudo como o de Vandebuerie et al. (17), vem demonstrando uma maior eficácia da suplementação de creatina em "sprints" dentro de exercícios de endurance em comparação aos "sprints" isolados, bem como quanto menor o número de repetições destes menor o benefício da suplementação (8,11-13).

O suplemento de creatina fosfato tem sido usado também entre alterofilistas no intuito de ganhar massa muscular e força. A dosagem de 10 g/dia/5dias no estudo de Maganaris & Maughan (18), resultou em uma captação de creatina entre 64 e 66% equivalendo a 30 a 31 g das 50 g oferecidas na suplementação. Contudo, o dado mais importante deste trabalho foi o aumento da contração voluntária máxima (CVM) e resistência isométrica em sustentar as contrações até a fadiga após a ingestão de creatina. Ocorreu ainda aumento da massa magra em 1,7 _ 1,8 kg nos indivíduos que participaram do programa de treinamento de força que pode ser dado por aumento da síntese protéica muscular (hipertrofia) ou retenção hídrica (18).

O ganho de massa magra com a suplementação de creatina está entre 0,8 e 3 kg dependendo da duração do experimento, protocolo de exercício e quantidade de creatina oferecida (19).

Kreider et al. (11) também observaram ganho de peso correspondente ao aumento da massa muscular de 0,6 a 1,1 kg, ganho de força e melhor desempenho em 6 "sprints" em bicicleta ergomêtrica em jogadores de futebol. A análise dos lipídios séricos trouxe ainda a evidência de que a creatina pode elevar os níveis de HDL e reduzir os níveis de VLDL e triacilgliceris em indivíduos ativos moderadamente hiperglicêmicos. Esses atletas ingeriram 15 g de creatina por 28 dias e os autores sugerem que a suplementação de creatina por 9-56 dias pode melhorar a qualidade do treinamento levando a um aumento do desempenho em "sprints" e/ou força (11).

O mesmo resultado não foi encontrado por Bermon et al. (20) em 8 semanas de treinamento de força com 52 dias de suplementação, sendo 20 g de creatina monohidratada nos primeiros 5 dias e manutenção de 3 g/dia até o final do experimento. Os indivíduos que participaram do estudo tinham idade média de 70 anos e eram sedentários ou moderadamente ativos, implicando respostas diferentes em comparação á indivíduos jovens e treinados. A distribuição dos tipos de fibras é diferente no idoso evidenciando uma diminuição do conteúdo de fibras do tipo II que poderia explicar a baixa retenção de creatina muscular nestes indivíduos (32-47%). Não foi detectado alterações de composição corporal nem aumento de resistência isomêtrica (20).

Surpreendentemente a captação de creatina pode ser maior em indivíduos de meia idade em comparação á indivíduos jovens. Smith et al. (21) observaram um maior tempo á exaustão e maior disponibilidade de fosfocreatina muscular durante exercícios de força com a suplementação de 3 g/kg por dia durante 7 dias em indivíduos de meia idade comparando-os com jovens. Na fase de meia idade há uma redução na ressíntese de CP refletindo uma menor concentração desta nas fibras musculares. Contudo, ainda não há um decréscimo significativo das fibras do tipo II, como observado em indivíduos idosos. Com estoques mais baixos que indivíduos jovens e sem decréscimo na quantidade de fibras tipo II como nos idosos o aumento da ressíntese de CP em resposta á suplementação de creatina é mais evidente nos indivíduos de meia idade. Além disso, a hidrólise de CP durante o exercício após a suplementação parece ser maior nos mesmos, sugerindo que uma grande proporção do ATP gerado no trabalho muscular é proveniente da CP. Entretanto os autores argumentam que seus resultados não indicam que a suplementação de creatina eleva a resistência muscular numa magnitude maior em indivíduos de meia idade x jovens (21).

O tempo de dosagem prolongado pode trazer benefícios em exercícios de resistência como os resultados encontrados por Vandenberghe et al. (22) em 10 semanas de ingestão de creatina iniciadas por 4 dias com 20 g/dia e mantido 5 g/dia até a última semana. Houve aumento de força, diminuição de gordura corporal e aumento de performance em exercícios de alta intensidade e curta duração em uma magnitude maior que a superdosagem de 4 dias. Esses resultados são contrários aos achados por Bermon et al. (20), contudo os participantes escolhidos em ambos estudos eram sedentários demonstrando que o condicionamento físico não interfere nas respostas á suplementação de creatina. Os diferentes resultados reforçam então a argumentação de Bermon et al. (20) de que a ineficêcia da suplementação de creatina em seu estudo deve-se ao fato de que idosos possuem um menor conteúdo de fibras do tipo II e portanto menor captação de fosfocreatina.

Poucos estudos relatam os efeitos colaterais das dosagens prolongadas de creatina em atletas e não atletas. Embora muitos efeitos positivos da suplementação de creatina estejam descritos na literatura com indivíduos saudáveis, poucos se preocuparam com seus efeitos deletérios e incluíram em seus trabalhos variáveis clínicas para avaliar algum potencial negativo do uso agudo e crônico da creatina. Em função disso deve-se ter muita cautela antes de se recomendar o uso deste suplemento (23,24). Todavia, mais estudos são necessários para afirmar os efeitos ergogênicos da suplementação de creatina, bem como os transtornos à saúde advindos dos seus efeitos colaterais.

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